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Projetos culturais sofrem com prestações de contas pendentes

Passivo bilionário soma quase 30 mil iniciativas sem análise

Por: Redação

21/12/202515:20

O Ministério da Cultura acumula 29,7 mil projetos culturais com prestações de contas pendentes, o que representa cerca de R$ 22 bilhões em recursos públicos sem destinação devidamente verificada. O volume envolve iniciativas de fomento cultural, como shows, exposições e peças teatrais, e escancara um problema estrutural de fiscalização que a ministra Margareth Menezes já havia prometido enfrentar.

Foto Projetos culturais sofrem com prestações de contas pendentes
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Para efeito de comparação, o montante sob análise inconclusa supera, em larga escala, o custo mensal do Bolsa Família, estimado em aproximadamente R$ 13 bilhões. Ainda assim, segundo o próprio ministério, parte desse passivo teria sido subdimensionada em gestões anteriores, o que explicaria a dimensão atual do problema. As informações foram divulgadas pelo Estadão. 

De acordo com reportagem do Estadão, a situação não é recente e aparece em denúncias e auditorias desde os anos 2000. Mesmo com anúncios recorrentes de forças-tarefa, a avaliação mais recente do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta um cenário de ineficácia administrativa e até de desgovernança generalizada na condução das análises.

Relatório do TCU expõe falhas e falta de capacitação

Um relatório técnico sigiloso do TCU, datado de 18 de novembro, revela que as medidas adotadas ao longo dos últimos anos não reduziram o passivo. Pelo contrário, o número de processos pendentes cresceu ao longo de 15 anos, mesmo após iniciativas anunciadas para enfrentar o problema.

Entre os principais achados estão o afrouxamento da fiscalização, a ausência de normas internas claras sobre prazos de análise e a falta de capacitação de servidores. O documento destaca que não existem regras internas que definam o tempo máximo de cada etapa da prestação de contas, favorecendo atrasos crônicos.

Outro ponto crítico identificado pela auditoria diz respeito ao controle de prazos de prescrição, que estaria sendo feito por meio de planilhas em Excel preenchidas manualmente. Segundo os auditores, o método é falho, pois ignora notificações que reiniciam a contagem legal, podendo levar à perda do direito de cobrança pelo Estado.

Em reuniões com o TCU, servidores responsáveis pela área demonstraram desconhecimento técnico, inclusive sobre conceitos básicos como a diferença entre prescrição quinquenal e intercorrente, o que reforça o diagnóstico de fragilidade institucional.

Projetos prescritos e risco de novos repasses irregulares

Entre os quase 30 mil projetos culturais sem análise, há casos ligados às leis Rouanet, Aldir Blanc e Paulo Gustavo, além de convênios e transferências diretas. Um grupo estimado em até 1,3 mil projetos já teria prescrito, o que inviabiliza qualquer tentativa de ressarcimento ao erário, mesmo diante de possíveis irregularidades. Esses casos podem ter movimentado até R$ 1,2 bilhão.

O impacto, porém, vai além da perda financeira. Sem a análise das contas, produtores que eventualmente cometeram irregularidades permanecem aptos a captar novos recursos públicos, criando uma distorção grave no sistema de fomento cultural.

Há ainda situações em que as prestações de contas sequer foram apresentadas, mas continuam pendentes de análise. Projeções feitas pelo TCU indicam que esses casos podem representar até R$ 30,7 milhões em recursos cujo destino o governo desconhece.

Em nota, o Ministério da Cultura afirmou que enfrenta um “desafio estrutural” e que adotou uma estratégia baseada na otimização de processos internos e na reformulação da Secretaria de Gestão e Prestação de Contas (SGPTC). A pasta sustenta que os dados são preliminares e que a elevação do passivo em 2025 decorre de uma mudança metodológica, que teria corrigido distorções herdadas de administrações anteriores.

Apesar das justificativas, o relatório do TCU conclui que o ministério não tem sido efetivo na responsabilização nem na recuperação de recursos em casos de irregularidades confirmadas, mantendo aberto um dos maiores gargalos da gestão cultural no país.